quinta-feira, 13 de março de 2008

Dos casos da vida

Acordou no meio da noite. Percebeu, logo de cara, que havia esquecido a janela aberta. Tropeçou em pé de tênis no caminho até ela. Não era o SEU tênis.
Voltando seu olhar para cama, notou que ela não estava vazia. Lembrou-se, então, vagarosamente, o que havia acontecido. Cada detalhe, cada toque, lhe pareceram tão especiais que não quis mais esquecê-los ("Nunca mais!"). Da janela do seu quarto, podia ver os carros que insistiam em quebrar o silêncio daquela noite quente. A lua sorria para ela, "como o sorriso do gato da Alice", pensou calmamente. Ela lhe retrinuiu o sorriso. Pensou em contar estrelas, já que tinha perdido o sono. Desistiu na quarta.
Foi então que notou que estava nua na janela. "Ainda bem que todos os vizinhos estão dormindo!", falou para si mesma quase risonha. Foi tomar água.
Pensou em ligar o computador, escrever mais um dos seus devaneios noturnos. Desistiu também, afinal o barulho do teclado talvez fosse acordá-lo. E ele dormia tão lindo!
Vagou pela sala, recolhendo as roupas deixadas no caminho. Não era exatamente com naturidade que ela fazia isso, mas não era uma ação desagradável. O fato é que ela não estava acostumada com aquilo. Vivia em um mundo totalemente seguro, onde tudo era muito... pensou em vários adjetivos, mas o único que poderia descrever exatamente seu mundo era "chato". Sentiu um frio na barriga. Até aquele momento não havia pensado, o que para ela já era totalmente anormal. Ela estava ARRISCANDO!
Pela primeira vez na vida, ela deixara a racionalidade de lado e entrara em uma emoção totalmente nova. Ela não sabia o que iria acontecer. Talvez ele acordasse e dissesse "desculpe, pra mim foi só uma transa". Isso não seria bom de ouvir, é claro, mas ela simplesmente não se importava, iria pagar pra ver!
Um barulho suave a despertou de seus pensamentos. Ela olhou para trás. Ele estava na porta do quarto, sorrindo, olhando-a com carinho.
"Eu te acordei... desculpe, é que eu tenho o hábito de acordar no meio da noite e..."
"Não importa. Vc não fez barulho. Mas é que eu virei de lado e senti a sua falta... Vem, vamos dormir..."

É... realmente valeu a pena pagar pra ver...


.....



Olhando pela janela, ele pode ver que o mundo parecia mais cinza aquela manhã. Não, ele não seria tão tolo a ponto de pensar aquelas coisas.
"Ela foi embora, e daí? Não posso ficar aqui deitado, olhando para a porta na esperança de ela volte. Ela não vai voltar."
Tomou uma ducha, se trocou. Foi ao trabalho, e as horas passaram dolorasamente rápidas. Ele sabia que iria ter que enfrentar a vida de frente. Ao abrir a porta do seu apartamento, uma dor tomou seu peito, como se alguém tivesse enfiado uma faca. Lá estava ela, linda, com seus olhos brilhantes. Ao seu lado, estava ELE, o outro.
Tentou pensar que era natural que ela encontrasse outra pessoa. Já haviam se passado três meses. Por que ele não conseguiu também?
"É... você faz questão mesmo de ficar com o Brutus? É que eu me apeguei tanto a ele e..." - ela tentava medir as palavras, enquanto ele tentava odiá-la, em vão. Será mesmo que ela queria tirar tudo dele, até o maldito cachorro, sua única companhia?
"Desculpe, mas não posso ficar sem ele. Esse apartamento é muito grande só pra mim..." - o que diabos ele estava falando??? Era melhor ele parar antes que ela começasse a sentir pena.

"Ah, já ia esquecendo... a sua chave. Acho melhor eu não ficar mais com ela."
Ela nem se dera ao trabalho de tirar o chaveiro que ele trouxera de Gramado. Ele tentou sorrir. Ela fechou a porta devagar. O Outro foi com ela. O cachorro ficou.

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"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. (...)
E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas."