segunda-feira, 22 de setembro de 2008

O banco da praça

Ela andava porque seus pés não obedeciam a sua cabeça. Mas a verdade é que ela nem sabia se queria sentar, correr, andar. Acendeu um cigarro (para isso teve que parar, fazer o que, suas habilidades não permitiam tamanha façanha). Ficou olhando a fumaça ir subindo, fazendo movimentos de acordo com o seu andar. O vento cortava a sua cara e ela queria saber quem foi o imbecil que criou o frio.
Parou no farol (enquanto se perguntava quem tinha sido o imbecil que tinha criado a porra do farol, assim como o carro, a rua e a calçada). Percebeu que tudo parecia de uma imbecilidade tamanha, que a única imbecil por ali era ela. Notou que as pessoas nem notavam a sua presença na rua. Mas ela queria ser notada. Pensou que talvez se ela caísse, todos iriam olhar (nem que fosse para rir da sua burrice). Achou que estava pensando tanta estupidez, que era melhor parar de pensar. Mudou a música do iPod e continou a andar, sem destino.

Quando notou que já tinha andado o suficiente para não ter a menor noção de onde estava, sentou num banco de praça ordinário e começou a imaginar como seria se ficasse ali para sempre. Sei lá, poderi comer as coisas que o mercadinho da esquina vendia até acabar o seu dinheiro. Aí, poderia vender seus livros no sebo ali do lado e isso lhe daria, sei lá, um mês de subexistência.
Subexistência. Palavra engraçada essa. A pessoa que comia só o necessário e não podia comprar as coisas da moda e coisa e tal não existia. SUBexistia. Era uma classe inferior, destinada a uma subvida, cheia de privações. O que uma pessoa pode fazer sem um tênis da moda, um mp3 e um video-game? Noooossa, realmente a vida é cheia de tristezas, né?

Depois achou melhor parar de ficar pensando em coisas inúteis. Era hora de enfrentar a vida (ou seria uma subvida?). Levantou e ficou pensando por algum tempo como faria para voltar para casa. Seus pés doíam (maldita bota desconfortável) e o frio estava piorando. Não viu nenhum ponto de ônibus por perto e percebeu que estava em um bairro muito bonito. Achou que seria muito difícil que um bairro tão legal tivesse um ônibus para a sua casa. Prefiriu arriscar no táxi (o que lhe renderia muita economia nos próximos 50 almoços). Falou o endereço, e logo o motorista respondeu com um sorriso:
- Olha, moça. Sei que não tenho nada com isso, mas acho que deveria te avisar. Você está a 40 min do endereço que está me passando. Não estou querendo dizer que acho que você não tem dinheiro. Mas noto pela sua cara de cansada que provavelmente você não veio de táxi.
- Não se preocupe, não vou dar um calote. Se estou te dando o endereço é pra você ir e pronto. - ela estava realmente amarga.
- Tudo bem. Não vou mais te importunar. Mas é que eu te observei sentada por tanto tempo naquele banco. Estava com cara de triste, perdida. Pensei até em te perguntar se queria um casaco, porque está realmente frio. Não sei como você agüentou tanto tempo sem blusa.
Foi aí que ela notou que tinha esquecido a maldita blusa em algum lugar por aí. Odiou a si mesma com tanta força que começou a chorar. Não que a blusa fosse tão importante, mas sentiu-se uma completa idiota. Como podia ter largado a blusa por aí e nem ter notado que estava com frio? Percebeu que só poderia estar mesmo ficando meio louca ou qualquer coisa do gênero.
- Olha, moço. Des-des-desculpa, viiiu? - disse, chorosa.- Não era a minha intenção gritar com você. Mas hoje foi um dia péssimo, daqueles que a gente quer esquecer.
- Todo mundo passa por isso. Não se preocupe. Você foi até gentil, se eu for comparar com uns ricaços que entram aqui no táxi. Vou levar você o mais rápido possível. O melhor remédio para dias assim é um bom banho quente e um chá.
- É, pode ser. Mas não sei se isso vai me ajudar muito.

Chegando em casa, exitou. Com a chave na mão, percebeu que tremia, mas estava certa de que não era o frio. Não sabia o que encontraria lá dentro. Isso lhe dava dor de estômago. Enfrentou seu medo e entrou. Ele estava deitado no sofá, cochilando. Seus olhos estavam molhados de lágrimas, e ela notou que ele tremia mais que ela. Tocou em seu rosto e logo obteve a resposta: ele estava ardendo em febre. Não sabia se o odiava por ainda estar na casa dela, e ainda por cima doente ou se estava tão preocupada que isso a deixava nervosa. Fez um chá, o acordou. Sem saber o que dizer, ele tentou levantar, se explicar, mas ela impediu. Deu o chá e disse para ele ir para a cama.

A verdade é que ela sabia que queria que ele ficasse doente para sempre. Que era pra nunca ter que ir embora. Não que ela pudesse pedir para que ele ficasse. Ela sabia que ele não suportaria mais nenhum dia da ausência compartilhada que ela podia oferecer. Ele, então, pegou as malas, pôs no carro, e veio se despedir.
- Olha, queria te dizer que vou guardar com muito carinho tudo o que vivemos juntos. Sabe, dois anos podem ser uma vida...
- É... uma vida que jogamos fora!
- Não quero discutir com você mais uma vez. Quero lembrar de você com aquele sorriso lindo que eu sempre gostei. Não... não chora. Por favor. Você sabe o quanto eu te am...
- O quanto você me amou? Não, não sei. Porque esse amor todo não foi suficiente para você ficar do meu lado. No primeiro problema, você tá me abandonando. E é sempre assim. Todos vão embora. E eu sempre fico aqui sozinha. Nesse apartamento vazio.
- No primeiro problema? Olha, vou te dizer uma coisa: a coisa toda acabou não foi por causa dos problemas. Todo casal tem problemas. Mas o que você não entende é que você é quem afasta todos que te amam. Sempre. Quando você percebe que vai precisar de alguém, você vai lá e se afasta...
- Mas eu ainda preciso de você! (ela sabia que ia se arrepender pelo resto da vida por ter se "humilhado" desse jeito)
- Pode até ser, cara. Mas você nunca vai assumir isso pra você mesma. Você precisa aprender a permitir que as pessoas te amem.
- Mas um dia você me amou?
- Eu ainda te amo.
- Então...
- ... mas isso não é suficiente. Você tem que se amar. E perceber que você é digna de um amor para sempre. Mesmo que o sempre seja até a semana que vem...

Ela sabia que aquela coversa nunca mais sairia da sua cabeça. Talvez porque soubesse que era tudo o que todos pensavam, mas só ele tinha tido coragem para dizer. Ou talvez porque ele a desafiou, mexeu lá no fundo e a deixou com os pedaços.
Mas de uma coisa ela tinha certeza: ela nunca seria digna do amor que ele sentia por ela....

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"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. (...)
E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas."