terça-feira, 4 de setembro de 2007

...Apenas o gosto

Ouviu seu nome. Coração disparado. Demorou ainda alguns segundos para se virar; sentia que suas pernas falhariam a qualquer momento. Olhou.
E viu um garotinho. Não era o homem dos seus sonhos. Não era o cara perfeito. Era um garotinho que tinha medo. E, enfim, entendeu que ninguém é dono de seu destino, mas quando olhamos com os olhos nus para a realidade, e não com ameixas em sua calda enganosa, podemos ver aquilo que sempre esteve ali, gritando para ser visto.
Sorriu. Ele já não sabia bem o que dizer, o olhar segura dela o atordoava. Disse meia dúzia de bobagens ('como era de se esperar', pensou ela) e foi embora. Melhor assim. Enquanto andava, ele tentava entender o que nela havia mudado em uma fração de segundos. Mas não sabia. E não sabia simplesmente porque achava que sabia tudo, e continuava a não ver um palmo na frente do seu nariz. As pessoas são assim mesmo.
Agora, sentada em seu carro, com o som tocando qualquer coisa que ela nem escutava mais, conseguiu refletir sobre aquele momento completamente insano. Mas não queria pensar, não faz muito bem. Aumentou o volume do rádio.
Ela procurava um príncipe
Ele procurava a próxima
(...)
Os lábios se tocaram ásperos,
Em beijos de tirar o fôlego
Enfim, sentiu-se livre. Livre de tudo o que sempre sonhara. Porque os sonhos também são amarras, vendas, não te deixam enxergar o que está lá fora. De repente, conseguiu entender Platão.

6 comentários:

Iana disse...

Lindos, Tati. Os três.
As hesitações, as confusões e as esperanças. Principalmente essas. :)

me disse...

Maturidade pode vir sob diversas formas. Em um olhar (o tipo mais difícil de se obter), em um jeito seguro de andar ( e que pode se confundir com insegurança bem disfarçada), em palavras bem ditas (o jeito mais fácil e banal de ser maduro), nas atitudes (jeito mais visível) mas principalmente nos silêncios.
Ficar alguns segundos apenas ouvindo o que a sua consciência deve e não quer fazer, quer e não deve fazer. Sob a pressão do possível, sob a irrealização do passado.

Acho que você não precisa de menino algum. Principalmente quando este menino parece não querer crescer. E não digo não querer crescer do tipo "vamos todos sermos peter pan". Sim aquele "vamos todos sermos iguais ao que somos". Aquela imaturidade que machuca mais quem está à volta e se envolve naquele encanto peculiar desta característica.

Mas sejamos sinceras. O menino imaturo e inseguro e boboca fica junto com aquela sua menininha. Aquela de histórias. De ilusões.

E só.

Fernanda Braite disse...

Amei o final. Incrível como vc conseguiu colocar personagens que resumem muito bem inúmeras garotas e inúmeros garotos. Já vi tantas meninas sonhadoras com contos(inclusive em espelhos)!! E muito mais garotos que são indiferentes e não sabem o que sentir, e simplesmente não sentem. Será que o amor perfeito é possível entre uma garota que não queira um príncipe e um menino que consiga amar? Não sei. Talvez.

Adorei a frase: "Mas não queria pensar, não faz muito bem." Realmente, pensar demais não é muito legal. Aprendi isso por experiência própria.

BEIJOS, TATI! Saudade...

Marcos disse...

lindo texto tati! sensível como uma casca de abacaxi.áspero e ácido como uma pétala branca de rosa.

é estranho como demoramos pra ter aquele a-há!- piadinha favorita do semestre passado. depois, é tão claro que parece mentira.

mas o que demora mesmo é termos esse a-há! com nós mesmos.esse é um dom de apenas uns poucos bobos.
que dificilmente aparecem pra contar histórias.

mas não é difícil perceber como essa questão é figurinha certa desde tempos bem distantes.e dá pra gente tirar umas idéias da nossa própria cultura.

ora, sua personagem não é menos boba e ingênua que as imortais Luísa, de Eça de Queiroz, ou Emma Bovary, de Flaubert. Vítimas de folhetins rasgados, conduziram suas vidas do mesmo ponto de vista da sua personagem. Suas canduras (será?) as levaram rumo à perdição.

Ou seja, não há mais desculpas para não se encontrar na própria essência fútil tão transparente para outros. Não há mais razões para ser uma personagem de folhetim (agora com toques de triunfo!) para animar as platéias de donas de casa, ansiosas para os próximos passos da mocinha. Ah, ela não se acha mais boba: se enxerga como uma heroína. Segue o lema do comercial de refrigerante! Mas ela esquece que é frágil a ponto de se iludir mais uma vez e mais uma vez e mais uma vez...

Mas não mais frágil que sua própria redoma de vidro. Que de tão transparente pode ter se espatifado, e ela ainda vive oniricamente suas fantasias "bobocas e inseguras" (grande Vanessa!). Ela vai sentir o frio do vento da "realidade do real". E talvez esteja nua pra se proteger.

Sua persongem não é muito complexa, mas, vá lá, pode dar um TCC!

Beijos!

Tatiane Ribeiro disse...

Comentários inesperados. (no melhor sentido da coisa!)
Não comentarei um por um.
Só direi a todos, como diria a cada um, que a insegurança e a bobice está sempre dentro de nós. Por isso, talvez, esses personagens sejam tão próximos.
Qualquer semelhança com alguma história vivida por mim ou por vc, não é mera coincidência.

Guilherme D. disse...

Muito bom o texto Tati.
Não sei explicar, mas ele tá coeso, pois você o lê e ele te transmite uma idéia clara, comunica.

"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. (...)
E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas."