terça-feira, 2 de setembro de 2008

Por quoi viens-tu si tard?

Ela estava andando. Apenas andando. Andava, ouvindo música. Umas em francês, que era pra aprender um pouquinho (quem sabe seu inconsciente aprendia a falar em outra língua?).
Passou por pessoas apressadas. Ia chover. Ela não tinha guarda-chuva e o livro dentro da bolsa ia virar sopa (o que não era um pensamento assaz agradável). Mesmo assim, parecia que suas pernas não obedeciam sua ordem mental de ir mais rápido. Ela caminhava como em um passeio, em que a gente fica observando cada coisa a nossa volta. Mas ela olhava e não via nada.
Enquanto isso, lá dentro, a briga era grande. Tinha aprendido com uma amiga a ficar pra dentro. Mas ela fazia mais disfarçadamente, como se tivesse um eu que estava pra fora, mas era o mais superficial e sem importância. Mas o eu que estava pra dentro, e que nos últimos tempos não tivera coragem de colocar nem um dedinho pra fora, estava correndo, desesperado, pesando que a chuva de sentimentos que caia em cima dele ia transformar suas certezas em sopa. E essas certezas, que na verdade eram apenas fantasias para as dúvidas, iriam pelo ralo. O ralo era boca do ser de fora, boçal, que nem sabia direito o que estava fazendo, e não conseguia engolir as certezas, pra elas não fugirem.
E continuou em sua caminhada tranquila, às vezes sendo empurrada por guarda-chuvas que pareciam molhá-la mais que a própria chuva. Ela era fria. Gostosa. Parecia estar lavando tudo, por dentro e por fora. Foi aí que percebeu que o que a incomodava lá dentro não era o que ela era, era exatamente esse incômodo de se incomodar pelo que se é. Sorriu. Confuso, né?
Mas voltou a pensar no livro. Melhor comprar outro, que é pra não ficar sem. E o resto, deixa ser. Afinal, não poderia mais viver como se tudo fosse ruim. Quando se olha para o céu durante a chuva, se sabe que há beleza até nas piores tempestades. Chorou, aquele chorinho tristinho, sentido, que era pra jogar pra fora tudo que lavou lá dentro. Aquela era a sopa das certezas que tava saindo. Não quis engolir, não queria que elas voltassem...
Queria fotografar-se. Tem coisa mais bela que uma tristeza sincera?

Um comentário:

Fernanda Braite disse...

Tem sim. Mais belo que uma tristeza sincera é uma alegria sincera. Estou falando daqueles sorrisos que a gente recebe sem esperar, aqueles sorrisos que a gente sabe que são realmente verdadeiros. Estou falando da alegria que vem, para si ou para o outro, sem inveja ou orgulho. Espero que a chuva molhe o que tem que molhar, e lave o que tem que lavar. E que depois faça sol.
Um beijo grande!

OBS: se eu fosse uma gata persa, eu não faria a menor idéia de que não posso melhorar o mundo, ou seja, isso não me faria falta e não traria tormento algum. Não quero ter a ignorância de tudo, mas invejo um pouco esses seres que não sabem das coisas.
Ainda queria ser um filhote de gato persa...

"Depois de algum tempo você aprende a diferença, a sutil diferença, entre dar a mão e acorrentar uma alma. (...)
E começa a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas."